UNIVERSIDADE
FEDERAL DE PELOTAS
PROGRAMA
INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
TEATRO
LICENCIATURA
Allan Leite
Relatório Final PIBID-Teatro 2010/2012
Em 2010, ano de início do PIBID – Teatro, estudamos
textos básicos para nosso processo de pesquisa e de atividades que viria a
seguir. Foi um semestre de estudos, lendo os PCN`s e mais alguns teóricos sobre
educação, teatro, teatro na educação, arte-educação e pedagogia. No segundo
semestre, fui encaminhado para trabalhar na Escola Técnica Estadual Professora Sylvia
Mello e iniciar os trabalhos de diagnóstico sobre a realidade do teatro dentro
desta escola. Ao mesmo tempo, baseado nos PCN’s da área de ARTES e sob a
orientação da então coordenadora da área de Teatro no PIBID-UFPel, Taís
Ferreira, levamos apresentações artísticas de dança (Tatá Dança Simões do Tatá
Núcleo de Dança-Teatro), música (Grupo Guitarreria) e teatro (E o gato não
comeu... do Núcleo de Teatro UFPel) e cartilhas de atividades propostas para
antes e depois dos espetáculos, para estimular a recepção teatral, um dos três
eixos principais do ensino de arte-educação.
Depois de passar o ano de 2010 trabalhando em cima
de pesquisas e reflexões sobre a realidade da ETE Prof.ª Sylvia Mello, 2011 foi
o ano de efetivar práticas continuadas com os alunos e com grande parte da
comunidade escolar. E para começar estas atividades, parti de alguns pontos
específicos destacados através de um processo de diagnósticos, feitos no início
das atividades do PIBID dentro da ETE Prof.ª Sylvia Mello, que seriam:
- A escola é multifacetada e não possui um perfil
definido de aluno: Devido a esse
processo de diagnósticos, ficou evidente a diversidade caótica de sujeitos,
oriundos dos mais diferentes círculos sociais. Portanto fica mais complexa a
tarefa de entrar no cotidiano do aluno e promover uma educação freiriana,
buscando construir o conhecimento em cima da vida pessoal de cada aluno. Fica
complexa a tarefa de achar eixos temáticos menos frios e mais palpáveis para
todo o coletivo discente da escola.
- Os alunos possuem noções esquizofrênicas da própria
identidade, não se sentindo inseridos em nenhum coletivo e nem se mantendo firmes
na própria individualidade: Segundo
Foucault, o sujeito não é o núcleo da história, a-historiado ou anterior à
história, ele é formado de acordo com suas vivências, seu meio, nas relações de
poder exercidas entre sua existência e as demais forças possíveis. Os alunos da
ETE Prof.ª Sylvia Mello, como todos nós, vivem em uma era em que a identidade
do sujeito é bombardeada por influências de todos os tipos através das mídias,
fazendo com que seja difícil manter o senso crítico e se tornar dono, pelo
menos parcialmente, de sua própria identidade. Dentro da escola, que é
diversificada quanto a essas identidades, os alunos tentam se afirmar em
grupos, porém são grupos reduzidos e sem muita força social para autoafirmação
do próprio grupo perante os demais devido ao grande número de pequenos grupos
que circulam pelo ambiente, se confrontando e se influenciando. Assim, eles não
se determinam enquanto sujeitos dentro de algo maior para se firmar perante os
outros ao mesmo tempo em que chegam desnorteados, devido à mídia, para se
firmar como indivíduos dentro do próprio grupo da escola.
- Existe uma falta de posição da escola, como guia
para um possível futuro, e as chuvas torrenciais de informações externas que
chegam aos alunos, os deixam estáticos e sem capacidade de organizar o próprio conhecimento: A escola tenta seguir uma linha de
trabalho segundo a educação contemporânea, mais humana, ética e próxima do
aluno. Excetuando a própria instalação física da escola, que tenta com suas
salas frias e cadeiras enfileiradas sufocar e diminuir os movimentos do aluno,
podando-lhes os tempos de ócio, de criatividade e de reconhecimento do
ambiente, os professores e a direção optaram por dar autonomia e incentivar a
emancipação desses sujeitos. Não seria uma contradição muito evidente, tendo a
vontade dos professores prevalecendo, se não fosse o fato da escola não
apontar-lhes uma direção a seguir, ao menos como exemplo, evidenciando um
futuro pós-escola e guiando estes alunos até a real emancipação. Sem uma visão
menos abstrata do que está por vir, e com informações chegando sem filtros por
todos os lados, a liberdade oferecida ao aluno se perde em meio a tentativas
(muitas através de punições) de reter suas atenções dentro de conteúdos que não
lhes dizem nada (mas que poderiam dizer) e de resistência involuntária destes
alunos em fazer parte de uma instituição que eles não se identificam.
- E por fim, a noção de que o corpo é o primeiro instrumento utilizado para qualquer aprendizado: Se dentro da escola, os tijolos de sua fundação, as madeiras de suas cadeiras e os ponteiros torturantes de seus relógios tolhem o corpo, tiram a sua capacidade de sentir o mundo, experienciar as informações de forma prática e não só teórica, sobra então, apenas a mente como instrumento capaz de organizar conhecimento e construir pensamentos. Mas se esta mente está paralisada, atordoada, tentando se entender perdida no tempo de ontem, hoje e amanhã, então como fazer parar acalmar um pouco esse mar de confusões e pensamentos caóticos?Piaget diz que todo conhecimento passa antes pelo corpo e depois se ajusta na mente, e é por esse caminho que eu e o teatro na escola tentamos dar a nossa contribuição.
Acontece que ao chamarmos as aulas de “Aula de
Teatro” (e a professora de uma das turmas as chamar de “Recreação”), eu pude
perceber certa confusão das crianças do real objetivo das aulas. As crianças
chegaram achando que iriam montar uma peça e apresentar para outras pessoas e
quando perceberam que não era isso, começaram a achar que era apenas momento de
brincar, podendo então ser desviado para qualquer outra coisa, pois não existia
objetivo claro para elas. Claro, faltou tato e experiência para conduzir melhor
as aulas, sem se perder nas vontades deles, já que lidávamos com crianças que
não entenderiam, e se entendessem, não dariam importância para as definições
acadêmicas do que se passou ali, mas creio que poderíamos ter ocultado a
palavra teatro, e utilizado a expressão “Aulas de jogo dramático” para ir
afunilando as possibilidades de intenções dessas crianças quando fossem para a
aula conosco. Digo que poderíamos ocultar a palavra teatro, pois segundo Peter
Slade, o autor de um dos livros que basearam nossas ações:
Nessa
brincadeira teatral infantil existem momentos de caracterização e situação
emocional tão nítidos, que fizeram surgir uma nova terminologia: “Jogo
Dramático”. Este sempre nos pareceu um bom termo, pois ao pensar em crianças,
especialmente nas menores, uma distinção muito cuidadosa deve ser feita entre
drama no sentido amplo e teatro como é entendido pelos adultos. Teatro
significa uma ocasião de entretenimento ordenada e uma experiência emocional
compartilhada, há atores e públicos, diferenciados. (Slade, 1978, p. 18)
E as próprias crianças já entendem o teatro como o
descrito acima, esperando fazer papel de atores ao participar de uma aula de
teatro e quando começam os jogos e atividades lúdicas, elas transformam tudo em
apenas recreação. Não que eu queira tirar o prazer da atividade, dizendo que
não é recreação, mas fica mais difícil de convencê-las que a atividade que tem
que ser feita é A e não B, sendo que elas querem B e esta nada tem a ver com os
objetivos da aula.
Após o início das atividades, percebemos que nossos
objetivos eram distantes demais e reduzimos as expectativas, pois percebemos a
grande carência dessas crianças para o brincar em grupo, de forma dirigida;
percebemos ainda a necessidade que elas tinham por atenção individual e a
grande dispersão de atenção que ocorria a todo momento. A carência emocional
foi, durante todo o tempo, um obstáculo difícil de superar, pois as crianças
faziam de tudo para chamar a atenção só para elas e as aulas, por vezes, se
transformavam em verdadeiros confrontos de quem chamava mais atenção. Tentamos focar nosso objetivo em aumento da
capacidade de concentração e incentivar a criatividade e jogos em grupo,
esquecendo por um momento dos fantoches.
Apenas uma turma, o 1º ano, chegou a ter atividades
com os fantoches, a 4ª série teve a oportunidade de fabricá-los, porém por
falta de tempo, e pelo atraso proposital que demos as aulas com eles, para
trabalhar mais a atenção e a criatividade, não foi possível fazer atividades
com os fantoches prontos. Já o 3º ano, que era a turma com mais dificuldades,
não chegou nem a fabricar fantoches. Nesta turma foi onde ouvi de uma aluna, ao
propor que ela imitasse um leão para uma das atividades, seguindo o leão que eu
mesmo estava imitando, que eu era retardado. A falta de imaginação e o medo de
se sentir ridícula brincando em uma menina tão pequena me impactaram fortemente
(até o momento não tenho opinião formada sobre isso, apenas uma impressão de
que algo está faltando para ela).
Escolhemos trabalhar com crianças no início de 2011 considerando
que seria interessante promover o afrouxamento das travas corporais que impedem
muitos adolescentes no Ensino Médio, de aprender com o corpo, logo na infância.
Infelizmente o trabalho não se estendeu no segundo semestre, pois minha colega
teve problemas de saúde e não me sentindo capacitado para assumir sozinho as
turmas iniciais do Ensino Fundamental pedi para começar um trabalho no segundo
semestre com o Ensino Médio.Acabei por fazer meu trabalho do segundo semestre
de 2011 com uma turma de 8ª série do Ensino Fundamental, onde a maioria era
repetente. Alunos de 14 a 21 anos. Para trabalhar com esta turma, tentei
abordá-los por estudos de textos e as possibilidades de transformação da voz. Mesmo
aqui, não abandonei o corpo como instrumento de aprendizagem e nem a
criatividade como meio para dominar o conhecimento.
No livro “Manual mínimo do ator” de Dario Fo, no
capítulo DIGA-ME A PROFISSÃO E EU LHE DIREI O GESTO, ele afirma embasado na sua
experiência e em uma pesquisa de Plekhanov, que o gesto é a base do ritmo e tem
relação com a necessidade de sobrevivência do sujeito que o exprime. Para
afirmar isto, no capítulo seguinte ele usa o exemplo dos cordoeiros de
Siracusa, que devido a seu trabalho executam movimentos rítmicos durante o
trabalho e a canção entoada segue padrões de respiração coordenados,
transformando tudo numa grande dança. Seguindo este raciocínio, e tendo o
palpite de que os alunos daquela escola estão perdidos na sua identidade, e por
consequência na sua gestualidade, fui verificar e tive êxito, que a 8ª série teria
gestual esquizofrênico e sua voz e respiração também o seriam, fazendo suas
leituras serem de difícil compreensão pelos demais, e talvez por eles próprios.
Segui então com as aulas, trabalhando textos e a leitura em voz alta para toda
a classe de leituras dramáticas, de piadas, de textos literários e etc..
Arrumando o espaço físico para dar mais mobilidade corporal, realizei
exercícios que liberaram seus corpos com aquecimentos corporais e vocais no
início de cada aula e então partíamos para as leituras, quantas vezes fosse
necessário para fazer encaixar respiração, pontuação e entendimento lógico do
texto.
Fiz todos os exercícios em grupo, tentando fazer com
que eles formassem um grupo de fato. Evitei ao máximo dar aulas particulares
dentro da aula coletiva. Infelizmente esse objetivo eu não alcancei. Porém as
melhoras de leitura e principalmente, de interpretação do texto, através da
modulação gestual, foram nítidas. Só destaco que os corpos estavam embaralhados
demais e gravar as informações de uma aula naqueles corpos não era coisa
instantânea. Cada avanço se perdia facilmente de uma aula pra outra e era
necessário retomar diversas vezes os exercícios. A minha colega, Daniele
Pestano, retornou para me ajudar nessas atividades no último mês de aulas.
Em ambas as aulas, com as crianças e com a 8ª série,
a busca pela criatividade e pela corporificação das informações foi constante,
sempre tendo a ideia de que:
“A imaginação
criativa é essencialmente dramática em sua natureza. É a habilidade para
perceber as possibilidades imaginativas, compreender as relações entre dois
conceitos e captar a força dinâmica entre eles” (COURTNEY, 2006).
Nas atividades interdisciplinares do Projeto
“Edentidade e Iscola: O que está errado?”, feito em conjunto com as áreas de
Ciências Sociais, Filosofia, Letras, História e Teatro, diversas ações pontuais
foram feitas em conjunto, abordando toda comunidade escolar no intuito de
conseguir estabelecer uma comunidade escolar menos perdida dentro de si mesma,
conhecedora dos sujeitos que passam por ali, e formar uma identidade coletiva,
apontando para esses alunos algumas possibilidades de futuro e incentivando-os
a estarem com sua atenção voltada para o interior da escola e suas disciplinas.
A descrição dessas atividades pode ser lida no relatório de atividades
interdisciplinares de 2010/11, feito pelo grupo de pibidianos da ETE Prof.ª
Sylvia Mello. Não consigo dizer se as atividades obtiveram o êxito desejado,
pois vi apenas sucessos muito tímidos através dos dias que se passaram nestas
ações, mas com certeza achamos uma trilha possível a ser percorrida daqui pra
frente.
Contudo, o teatro como disciplina é algo fraco
dentro do ambiente escolar por que é visto como um apoio. A escola precisa mais
que aceitar o teatro dentro da escola, mas rever sua noção de aprendizagem
cartesiana e dual, separando corpo e mente, e priorizando a mente. Caso
contrário o teatro corre sério risco de entrar na escola e ser menosprezado do
mesmo jeito que a educação física ou a aula de “Artes”, todos sendo apenas
entendidos como recreação, exatamente como a professora dos anos iniciais nos
catalogou.
Enquanto o teatro estiver dentro de uma escola
prioritariamente intelectual, será pedido que ele ajude o aluno a aprender
português, ou história, mas o teatro não ensina essas matérias, ele treina
habilidades cognitivas e corporais, através dos sentidos, que são necessárias
para um bom desenvolvimento da mente e do corpo como um todo. Disciplinar,
interdisciplinar ou transdisciplinar, o teatro e toda educação através dos
sentidos, complementa e equilibra a educação das disciplinas lógicas,
racionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COURTNEY, Richard. Jogo, teatro & pensamento. SP: Perspectiva; 2006.
FO,
Dario. Manual mínimo do ator. Editora
SENAC, São Paulo, 2004.
SLADE, Peter; O
jogo dramático infantil. São Paulo: Editora Summus, 1978.
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