JOGATINA NA SALA DE AULA: DO JOGO À
REFLEXÃO COM JOVENS ESPECTADORES.
DEMUTTI, Anderson Morais Demutti[1]
Resumo: A recepção e apresentação da peça teatral
“Jogatina” que é um dos resultados da pesquisa Jogatina: aprendizagem em teatro
pós-dramático e suas contribuições para a pedagogia do teatro, realizada na
UFPel, serão abordadas neste artigo. Foram planejadas e executadas mediações
com alunos do ensino médio em escolas da rede pública de Pelotas/RS, em um
vínculo do projeto de pesquisa acima citado com uma ação do PIBID Teatro UFPel.
O foco do texto estará na realização da mediação, desde o planejamento da
apresentação nas escolas, até a recepção da mesma e o debate com os estudantes
espectadores realizado após apresentação. A análise das declarações dos
estudantes mostrará a transformação das suas expectativas acerca da linguagem
teatral, a partir da ação realizada nas escolas.
Palavras-chave:
Teatro; Espectador; Jovem;
INTRODUÇÃO
O trabalho aborda um relato das ações realizadas pelo PIBID
teatro, e também uma reflexão do discurso do jovem para com a peça JOGATINA.
Contribuindo para um dos objetivos da pesquisa, a pedagogia do Teatro.
DESENVOLVIMENTO E DISCUSSÃO
PESQUISA
A pesquisa Jogatina: aprendizagem em teatro
pós-dramático e suas contribuições para a pedagogia do teatro, consistiu em
colocar em prática o jogo de aprendizagem proposto por Bertold Brecht. As peças
didáticas estudadas ao longo da pesquisa foram: Um Vôo sobre o oceano, Aquele que diz Sim Aquele que diz Não, A decisão, A Peça Didática de Baden-Baden
sobre o Acordo,
Horácios e Curiácios e A exceção e a regra.
Ao ler as seis peças foram elaboradas cenas a
partir de trechos, estas poderiam ser fieis ou não ao texto. Outro objetivo da
pesquisa é a montagem de uma peça a partir das cenas sugeridas nos encontros,
assim surgiu à peça Jogatina.
Logo após a estreia no mês de julho do ano de dois
mil e quatorze, para a comunidade acadêmica, o circuito de apresentações nas
escolas foi planejado através da atividade prevista no projeto de área do Pibid
teatro, Mostra de cenas:
Circulação
de cenas, esquetes ou peças teatrais, produzidas nas disciplinas do Curso de
Teatro-licenciatura e/ou pelos grupos teatrais formados pelos alunos do curso.
Além de fomentar a recepção teatral nas escolas, a Mostra proporcionará aos
licenciandos, experiência em produção cultural para a escola, oportunidade de
apresentação pública de trabalho artístico e práticas de ensino voltadas à pedagogia
do espectador. (NETTO,
Maria Amélia Gimmler, 2014)
A
PEÇA
A peça tem onze cenas (Vendas; Temos fumo; Cuidado imenso; Água nas asas; Nevasca; A menor
dimensão; Travessia; Canção da mercadoria; Tudo vira pizza; Rastejar por água;
As Cordas) são cinco
atores e a orientadora Maria Amélia fica na mesa de audio-vídeo. O jogo de
cenas tem a duração de em média de meia hora.
O espaço é um corredor de cadeiras e ficam à
disposição vinte e cinco lugares de cada lado. Em uma extremidade fica um
projetor e uma corda. As imagens são projetadas na extremidade inversa durante
uma cena, neste canto onde as imagens são projetadas, utiliza-se de três caixas
grandes de madeira dispostas uma ao lado da outra com um pequeno espaço entre a
parede, dentro das caixas contém bolinhas e tiras de papel.
O figurino é uma calça preta e uma camisa lisa de
manga longa também preta.
A cena inicial começa no lado de fora do lugar da
apresentação, no caso aqui os lugares
foram, corredores das salas de apresentação. Na escola Felix da Cunha ocorreu
na sala de vídeo e na Assis Brasil utilizamos a sala voltada para a prática de
Ballet, nas escolas Simões Lopes e Sylvia Mello as cenas se realizaram na sala
de aula dos alunos, aguardando os jovens espectadores se colocarem nos lugares.
A RECEPÇÃO DOS ESPECTADORES
Do mesmo modo que a mostra de cenas, a recepção da
peça se deu pelo eixo do projeto de área do Pibid, Escola de Espectadores tal ação visa, educar
o olhar de alunos e professores do ensino médio para os espetáculos que virão a
ser apresentados no eixo mostra de cenas, através de materiais e autores que
focam em recepção teatral.
A equipe do Pibid composta por doze alunos auxiliou
nas apresentações onde cada trio atuante nas quatro escolas,
responsabilizaram-se por mediar a realização das aulas receptivas e a
apresentação.
Os planos seguiram
a seguinte metodologia de aulas: no primeiro encontro foram
realizadas observações, apresentação dos bolsistas e conhecimento da turma,
levando o convite para a apresentação da peça. No segundo encontro, cada equipe
elaborou uma atividade com suas respectivas turmas. Na escola Sylvia Melo, por
exemplo, utilizaram-se de um fragmento da peça “Aquele que diz sim, aquele que
diz não” para uma atividade onde cada grupo de alunos deveriam ler e pensar em alguma proposta de cena ou
imagem que aquele trecho do texto sugere, realizando uma organização de
improvisação após esta leitura. Já no terceiro encontro foi o momento da
apresentação seguida de debate.
De modo geral os planos sempre seguiram o objetivo
de provocar no
aluno um olhar mais crítico sobre as cenas e conteúdos abordados pela peça
Jogatina.
A
recepção serviu de levar para os alunos os conceitos sobre a linguagem teatral,
o papel do ator, do texto, dos objetos, da música, do figurino entre outros
aspectos.
Foi
observado nas escolas que boa parte dos alunos nunca tinham tido contato com o
Teatro, a não ser esquetes na
rua ou quando crianças algo que mal se recordavam. Jogatina foi então o primeiro
contato de muitos com uma peça teatral.
APRESENTAÇÃO
E DEBATE
No terceiro encontro, como previsto, ocorreram as
apresentações nas escolas. A estreia no Instituto Assis Brasil foi a única que
excedeu o limite de espectadores, pois contemplou três turmas do ensino médio,
aproximadamente um público de sessenta espectadores, tornando a conversa sobre
a peça um tanto agitada contrário das outras apresentações e debates, pois os
outros contemplaram apenas uma turma de cada escola tornando a conversa mais focada
e prazerosa, deixando os alunos mais descontraídos.
Nos debates foram levantadas várias questões sobre
os conteúdos que a peça expunha como a forma que se elaborou a peça por
completo, as questões políticas e de divisão de classes sociais, a questão do
homem com a natureza, o sentimento de medo provocado por algumas cenas, que
estava presente em todas as conversas e o uso de objetos como as bolinhas de
papel e a corda.
RELATOS
Só
que não entendi a hora que vocês estavam dançando e estava passando umas
imagens, meio triste. Eu não entendi parecia que vocês estavam festejando e
estava passando uma coisa muito ruim ali.
Eduarda.
Eu
senti, mas eu vi que isso é o Brasil, por que é sempre assim, ta acontecendo um
monte de coisa ruim, mas, parece que eles não veem. Não sei explicar, ta
acontecendo um monte de coisa e... As pessoas sem casa, agora mesmo, um monte
de gente com a casa alagada e pra isso não tem dinheiro, mas, pra fazer a copa
tinha.
Ketelen.
Como eles apresentaram, é pra interagir
junto e não só, ficar olhando. O teatro é uma arte, tem que interagir junto e
fazer todo mundo se sentir bem.
Erick
Pra mim o texto me chamou a atenção. Ele
quer superar algo, achei interessante.
Gabriele.
Parece que quando, ele coloca assim a corda,
parece que ela vai enforcar ele, daí eu senti medo seria um negócio chocante.
Fiquei com medo o tempo todo.
Sem nome.
O que era aquelas bolinhas,
quando ela estava correndo era neve?
Ketelen.
Eu achei bem agitado. Não dói?
(referindo-se quando atores se jogam no chão) Por quanto tempo vocês ensaiaram
a peça?
Bruna.
Bem no início que vocês vem
aqui pra frente, me senti desconfortável com medo, mas foi legal. Fiquei
angustiada, uma sensação de medo por que a gente leu o texto e ficou aquilo na
cabeça ai na hora eu fiquei imaginando.
Manuela.
Assim eles já tinham falado,
que o autor (Brecht) que as cenas têm uma certa aproximação e agente fica
prestando a atenção aí, do nada acontece uma coisa louca e a gente se afasta,
isso aconteceu quando ela tava correndo e ficou congelada, aí fiquei... Que? Aí
vem outra cena e fica mais maluco ainda. Tira o raciocínio lógico da coisa.
Natalia.
Por que só o Ensino Médio e
não o fundamental?
(sem nome)
É que o normal é ser uma peça
organizada e tudo certinho, aí do nada te levantam, se fosse outra peça não
saberia lidar, é diferente isso é uma coisa que chama a atenção.
(sem nome)
Eu vi a torcida, por que a
gente é de torcida daí prestamos mais a atenção.
Bruno.
Acho que passa bem a realidade
por que tem dias que a gente esta triste, mas por mais que o dia seja ruim, a
gente não esquece de se divertir e aproveitar nos dias bons. A gente está aqui
conversando uma coisa boa e pode estar sofrendo muitas pessoas lá fora... e é a
vida.
(Sem nome)
Eu nunca tinha visto uma peça
de teatro assim. Todas as peças de teatro que vi eram tudo igual e ai essa é
diferente e gostei, nunca me interessei por teatro gosto mais da dança e da
música e agora vi essa e é diferente gostei.
(Sem nome)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao transcrever as falas dos alunos, foi constatado que a peça Jogatina
serviu de grande experiência para a formação dos jovens espectadores. O primeiro aspecto que ressalto é da
qualidade da peça em seus diversos âmbitos, interpretação, texto, objetos cênicos,
desconstrução do ambiente escolar etc.
Um teatro em que a
exigência seja fundamentalmente artística, com tudo o que a arte pode oferecer
de incômodo e desestruturador. É desejável, portanto, que os produtores
culturais lutem pela liberdade de conceber espetáculos dotados de capacidade,
inerente à obra de arte, de abalar as certezas costumes dos espectadores.
(DESGRANGES, Flávio 2003)
Durante as aulas mediadoras, boa parte dos alunos não sabia descrever
como era a peça ou esquete já vista por eles, seja na rua ou no prédio de
teatro, ou então ressaltavam que a peça era chata. Por isso fazer aula
antecipadamente para as turmas enriqueceu no entendimento da obra, tornando
assim o primeiro contato instigante e revolucionário. Ajudando também para a concretude
da peça, pois no momento a Jogatina não estava acabada e as críticas levantadas
somam.
Entre atores e espectadores
tece-se uma relação corporal e espacial; possibilidades de interação e
participação são sondadas, de modo que o público, por vezes incomodado, possa
reavaliar sua própria concepção de arte. O teatro é afirmado mais enquanto
processo do que como resultado acabado, mais como ação e produção em curso do
que como produto. (PUPO, Maria Lúcia 2006).
A linguagem Pós-dramática da jogatina também contribui para uma visão
mais crítica do jovem para com a peça, ao pensar sobre as reflexões que as
cenas causam, entende-se que a recepção e a apresentação possibilitaram que os
alunos vissem as relações humanas de forma crítica e relacionassem com o seu
cotidiano, reforço que na maioria das vezes as peças vistas pelos alunos eram
comerciais ou com fabulações sem contexto social nenhum.
Contrário do que diz Lehmann ao falar da escolha de profissionais da
área pela abordagem Pós-dramática para lidar com as situações, e o teatro deve
ser considerado como uma situação e sua estética devem derivar desta. (Lehmann,
2013).
Outro aspecto é do ambiente escolar possibilitar esta experiência, pois
como a maioria dos alunos exceto alguns que até fazem teatro em grupos da
cidade, nunca tinham visto ou parado para ver uma peça, então a escola como
espaço para a prática e contemplação deve cumprir este papel, pois ao notar a
mudança do pensamento sobre o a arte, os jovens demonstraram interesse
perguntaram se teria outra aula ou onde poderiam ver mais, é neste sentido que
a educação em teatro ganha força, quando o conhecimento sobre tal coisa muda
sua visão sobre a mesma, fazendo efetivamente mais espectadores e seres
pensantes no ambiente teatral e das artes, contribuindo para a escola e para
que a cultura das artes seja recepcionada e apreciada de maneira divertida e
reflexiva.
Concluo que poderíamos ter continuado o trabalho de educação com os
espectadores, em prolongamento onde os adolescentes teriam uma aula mais
especifica na prática para assim, fazer e entender ainda mais o jogo das cenas,
fazendo com que eles vissem que teatro também pode ser feito por amadores,
professores, estudantes entre outros, como afirma Brecht.
A peça didática ensina
quando nela se atua, não quando se é espectador. Em princípio não há
necessidade de espectadores, mas eles podem ser utilizados. A peça didática
baseia-se na expectativa de que o atuante possa ser influenciado socialmente,
levando a cabo determinadas formas de agir, assumindo determinadas posturas,
reproduzindo determinadas falas. [...] a forma da peça didática é árida, mas
apenas para permitir que trechos de invenção própria e de tipo atual possam ser
introduzidos (BRECHT apud KOUDELA,
2007).
REFERÊNCIAS
DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
PUPO, Maria Lúcia. Sinais de
Teatro-Escola, Humanidades, 2006.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático doze anos depois, 2013.
KOUDELA, Ingrid. Brecht: um jogo de aprendizagem. Perspectiva. São
Paulo. 2007.
NETTO, Maria Amélia Gimmler. Proposta de subprojeto, Pibid-Teatro, 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário