A educação dos sentidos
“Resumindo:
São duas, apenas duas, as tarefas da educação.” (pag. 9);
“O
corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do
trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão
do coração, ele leva uma caixa de brinquedos.” (pag. 9);
“A
arte de pensar é a ponte para o desconhecido.” (pag 10);
Uti,
“o que é utilizável, utensílio.” Usar uma coisa é utilizá-la
para se obter uma outra coisa. Frui, “fruir, usufruir, desfrutar,
amar uma coisa por causa dela mesma.”
A
diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os
olhos estão na “caixa de ferramentas” eles são apenas
ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos
objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa
ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é
muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na
“caixa de brinquedos”, eles se transformam em órgãos de prazer:
brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer
amor com o mundo. (pag 24)
Por
isso, porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar
a ver, eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de
professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se
dedicaria a apontar para os assombros que crescem nos desvãos da
banalidade cotidiana. (pag 25)
[...]
Talvez seja essa a razão por que há tantos cursos de oratória,
procurados por políticos e executivos, mas não há cursos de
“escutatória”. Todo mundo quer falar. Ninguém quer ouvir. (pag
29)
Acordar
os ouvidos! Não me consta que essa tarefa tenha sido jamais
mencionada em tratados sobre a educação. É compreensível. Para
isso os professores teriam que ser artistas, pianos que não tocam
nada e que só fazem ouvir. Quando isso acontecer, quem sabe os
nossos jovens aprenderão a identificar o canto dos pássaros e
ficarão subitamente alegres “ao ouvir na madrugada passos que se
perdem na memória...”. (pag 34)
Há
coisas que só se aprendem se não se sabe que está aprendendo e que
só se ensinam quando não se percebe que se está ensinando. (pag
42)
A
música nos retira dos nossos pequenos mundos e nos faz viajar por
mundos maravilhosos. Isso desperta em nós as potências eróticas
dos nossos ouvidos. (pag 43)
Educados,
os sentidos passam a ser habitantes da “caixa de brinquedos”.
Pelos sentidos educados deixamos de “usar” o mundo e passamos a
“fazer amor” com o mundo. (pag 45)
Mas
o tato é, talvez, o sentido sobre o qual menos se tenha falado. Há
uma filosofia dos olhos, uma filosofia do ouvido, uma filosofia da
boca. Mas desconheço uma meditação filosófica sobre o tocar. E,
no entanto, a pele é lugar de tantas alegrias. (pag 51)
“O
tato é o sentido que marca, no corpo, a divisa entre eros e tânatos.
É através do tato que o amor se realiza. É no lugar do tato que a
tortura acontece”. Bullyng é a forma escolar de tortura. (pag 56)
O
tato contém um saber. Talvez, uma provocação ao saber. Faz-nos
pensar. Teríamos então de pensar o tato como uma das experiências
essenciais que devem acontecer no espaço escolar. O tato incita a
inteligência. (pag 60)
A
MONTANHA E O VIDEOGAME
O
fato é que o mundo moderno (historicamente estabelecido a partir do
século XV) primou pela valorização do conhecimento intelectivo,
abstrato e científico, em detrimento do saber sensível, estésico,
particular e individualizado. (pag 25)
Ou
seja: somos educados para a obtenção do conhecimento inteligível
(abstrato, genérico e cerebral) e deseducados no que tange ao saber
sensível (concreto, particular e corporal).
A
casa foi tornada uma “máquina de morar”, um espaço
constantemente diminuído que não abriga sonhos e afetos, exercendo
tão só uma função prática. (pag 27)
Há
um mundo natural e cultural ao redor que precisa ser frequentado com
os sentidos atentos, ouvindo-se e vendo-se aquele pássaro,
tocando-se este outro animal, sentindo-se o perfume de um jardim
florido ou mesmo o cheiro da terra revolvida pelo jardineiro,
provando-se um prato ainda desconhecido etc. (pag 30)
A
educação precisa ser suficientemente sensível para perceber os
apelos que partem daqueles e ela submetidos, mais precisamente de seu
corpo, com suas expressões de alegria e desejo, de dor e tristeza,
de prazer e desconforto. (pag 31)
Grégori Eckert
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